Como tinha um pouco de conhecimento, devido ao
trabalho que exercia, sabia que o lado esquerdo do cérebro é o que comanda a
fala, logo também sabia que corria um sério risco de perdê-la.
Apesar de ter momentos que dormia e muitos
momentos de ter a sensação de estar fora do meu corpo, sempre que conseguia a ligação
com a minha consciência, a minha principal preocupação era a minha fala.
Então silenciosa, numa sala onde o silêncio
não se fazia ouvir, devido às várias máquinas ligadas e aos queixumes de quem
se sentia desesperado, pedia a Deus para não ficar sem fala, que iria suportar
tudo, mas para não me deixar sem falar, que isso não iria suportar, que com as
sequelas físicas iria arranjar maneira de conseguir lidar, mas sem a fala não.
De início tinha a percepção que não me fazia
ouvir, que falava, mas a voz não chegava aos outros e perguntava
continuadamente se estavam a perceber o que eu dizia, mas nunca perdi a minha
voz.
Saí do internamento ainda com a voz meio sumida,
diferente, mas estava lá, soube mais tarde que fiquei com a síndroma do sotaque
estrangeiro, falava tudo com um sotaque de alguma língua estrangeira, e com
disartria, dificuldade de articular algumas palavras, que ainda se mantém.
Fiz terapia da fala em Setúbal, no Hospital
São Bernardo, em ambulatório e nas Residências Montepio, uma Unidade de
Cuidados Continuados, onde estive internada, para melhorar a fala, apesar de os
deficits não serem grandes.
Deus ouviu o meu pedido e não me desamparou, então como posso
revoltar-me com quem poupou a minha fala, o que eu mais queria?
Só tenho é que agradecer e muito.
E tenho conseguido ter todos os dias, força e determinação
para suportar o grande fardo a que fui submetida!
Anabela Jerónimo Resende