sábado, 28 de setembro de 2019

A minha fala


Como tinha um pouco de conhecimento, devido ao trabalho que exercia, sabia que o lado esquerdo do cérebro é o que comanda a fala, logo também sabia que corria um sério risco de perdê-la.

Apesar de ter momentos que dormia e muitos momentos de ter a sensação de estar fora do meu corpo, sempre que conseguia a ligação com a minha consciência, a minha principal preocupação era a minha fala.

Então silenciosa, numa sala onde o silêncio não se fazia ouvir, devido às várias máquinas ligadas e aos queixumes de quem se sentia desesperado, pedia a Deus para não ficar sem fala, que iria suportar tudo, mas para não me deixar sem falar, que isso não iria suportar, que com as sequelas físicas iria arranjar maneira de conseguir lidar, mas sem a fala não.

De início tinha a percepção que não me fazia ouvir, que falava, mas a voz não chegava aos outros e perguntava continuadamente se estavam a perceber o que eu dizia, mas nunca perdi a minha voz.

Saí do internamento ainda com a voz meio sumida, diferente, mas estava lá, soube mais tarde que fiquei com a síndroma do sotaque estrangeiro, falava tudo com um sotaque de alguma língua estrangeira, e com disartria, dificuldade de articular algumas palavras, que ainda se mantém.

Fiz terapia da fala em Setúbal, no Hospital São Bernardo, em ambulatório e nas Residências Montepio, uma Unidade de Cuidados Continuados, onde estive internada, para melhorar a fala, apesar de os deficits não serem grandes.

Deus ouviu o meu pedido e não me desamparou, então como posso revoltar-me com quem poupou a minha fala, o que eu mais queria?

Só tenho é que agradecer e muito.
E tenho conseguido ter todos os dias, força e determinação para suportar o grande fardo a que fui submetida!

Anabela Jerónimo Resende

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